sábado, fevereiro 21, 2009

Não resisti e vim postar este texto no blog. É o capítulo 16 do livro "Comer Rezar Amar", de Elizabeth Gilbert (ed. Objetiva). Nunca tinha lido algo tão "exato" sobre depressão e solidão. Desejei compartilhar, pois creio que quem já sentiu as duas ou uma delas vai se identificar.

"Depois de cerca de dez dias na Itália, a Depressão e s Solidão acabaram me encontrando. Estou passando pela Villa Borghese certa tarde, depois de um agradável dia de aula, e o sol está se pondo em tons de dourado acima da Basílca de São Pedro. Sinto-me contente neste cenário romântico, mesmo estando completamente sozinha, enquanto todas as outras pessoas no parque estão acariciando um amante ou brincando com uma criança risonha. Mas quando paro e me apóio em uma balaustrada para admirar o pôr-do-sol, acabo pensando em pouco demais, e meus pensamentos se tornam sombrios, e é então que as duas me encontram.
Aproximam-se de mim, silenciosas e ameaçadoras como detetives particulares, e me cercam - a Depressão pela esquerda, a Solidão pela direita. Sequer precisam me mostrar seus distintivos. Eu as conheço muito bem. Há anos que temos brincado de gato e rato. Embora eu reconheça que estou surpresa por encontrá-las neste elegante jardim italiano ao entardecer. Elas não combinam com este lugar.
Pergunto a elas:
- "Como vocês me encontraram aqui? Quem disse a vocês que eu tinha vindo para Roma?"
A Depressão, sempre bancando a esperta, diz:
- "Como assim, você não está feliz em nos ver?"
"Vá embora", digo a ela.
A Solidão, a mais sensível das duas, diz:
- "Desculpe, mas eu talvez precise seguir a senhora durante toda a sua viagem. É a minha missão."
"Eu preferiria que você não fizesse isso", digo-lhe, e ela dá de ombros, quase pedindo desculpas, mas se aproximando ainda mais.
Então elas me revistam. Esvaziam meus bolsos de qualquer alegria que eu estivesse carregando aqui. A Depressão chega a confiscar minha identidade; mas ela sempre faz isso. Então a Solidao começa a me interrogar, coisa que detesto, porque sempre dura horas. Ela é educada, mas implacável, e sempre acaa me encurralando. Pergunta se eu acho que tenho algum motivo para estar feliz. Pergunta por que estou sozinha esta noite, outra vez. Pergunta (embora já tenhamos passado por esse mesmo interrogatório vezes sem conta) por que não consigo manter um relacionamento, por que arruinei meu casamento, por que estraguei tudo com David, por que estraguei tudo com todos os homens com quem já estive. Pergunta-me onde eu estava na noite em que completei 30 anos, e por que as coisas azedaram tanto desde então. Pergunta por que não consigo me recuperar, e por que não estou nos Estados Unidos, morando em uma bela casa e criando belos filhos, como qualquer mulher respeitável da minha idade deveria fazer. Pergunta por que, exatamente, eu acho que mereço umas férias em Roma, quando transformei minha vida em tamanho caos. Pergunta por que acho que fugir para a Itália como um aestudante universitária vai me fazer feliz. Pergunta onde acho que vou estar quando ficar velha, se continuar vivendo assim.
Volto a pé para casa, esperando conseguir me livrar delas, mas elas continuam a me seguir, essas duas capangas. A Depressão me segura firme pelo ombro e a Solidão me bombardeia com seu interrogatório. Sequer tenho forças para jantar; não quero que elas fiquem me espionando. Também não quero que subam as escadas até o meu apartamento, mas cnheço a Depressão, e sei que ela carrega um cassetete, então não há como impedi-la de entrar, se ela decidir que quer fazer isso.
"Não é justo vocês virem aqui", digo à Depressão. "Já paguei vocês. Já cumpri a minha pena lá em Nova York".
Mas ela simplesmente me á aquele sorriso sombrio, acomoda-se em minha cadeira preferida e acende um charuto, enchendo o aposento com sua fumaça desagradável. A Solidão olha aquela cena e dá um suspiro, em seguida, deita-se na minha cama e se cobre com as cobertas, inteiramente vestida, de sapato e tudo. Estou sentindo que vai me obrigar a dormir com ela de novo esta noite".